domingo, 8 de novembro de 2015

Nota Preliminar à Morte da Morte na Morte de Cristo


NOTA PRELIMINAR

Nos testemunhos dos pais antigos, que Owen apensou ao tratado seguinte, ele cita Agostinho e Próspero como autoridades em apoio a sua opinião de uma expiação definida e eficaz. Embora esses pais, em oposição aos pelagianos e semipelagianos de seus dias, sustentassem essa visão, o ponto não emergiu em uma proeminência imperiosa na controvérsia com a qual seus nomes são principal e honradamente associados. Não foi de modo algum um assunto de especial controvérsia, ou a chave de sua posição no campo no qual esses Pais ganharam o reconhecimento. Foi, porém, na disputa que prevaleceu entre Incmaro[1] e Godescalco[2], exatamente quatro séculos depois que a discussão sobre a extensão da expiação assumiu uma forma distinta e positiva. As decisões dos diferentes concílios que se reuniram para julgar os princípios conflitantes será achada no apêndice deste tratado.
A mesma controvérsia foi renovada na Holanda entre os gomaristas e os arminianos, quando o Sínodo de Dort, em um de seus artigos, condenou a doutrina remonstrante de uma expiação universal. Cameron, o esmerado professor de teologia em Saumur, originou a última discussão importante sobre o assunto, antes que Owen escrevesse seu tratado a respeito. As opiniões de Cameron foram adotadas e defendidas com grande habilidade por dois de seus estudiosos, Amyraud e Testard; e no ano de 1634 surgiu a controvérsia que agitou a igreja francesa por muitos anos. Amyraud tinha o apoio de Daillé e Blondell e foi habilmente oposto por Rivet, Spanheim e Des Marets.
Nas últimas duas instâncias em que a discussão sobre a extensão da expiação reviveu nas igrejas reformadas, houve uma distinção essencial, muito comumente subestimada, entre os pontos especiais aos quais as controvérsias respectivamente diziam respeito. O objetivo do artigo sobre a morte de Cristo, emitido pelo Sínodo de Dort, era neutralizar a doutrina de que Cristo, pela expiação, apenas adquiriu para o Pai um direito e liberdade plenários de instituir um novo procedimento com todos os homens, pelo qual, na condição de que fossem obedientes, poderiam ser salvos. Os teólogos de Saumur não teriam aceitado essa doutrina como uma representação correta de seus sentimentos. Admitindo que, pelo propósito de Deus, e através da morte de Cristo, os eleitos são infalivelmente assegurados no aproveitamento da salvação, eles contendiam por um decreto antecedente, pelo qual Deus é livre para dar a salvação a todos os homens por meio de Cristo, na condição de que cressem nele. Daí que seu sistema fosse denominado universalismo hipotético. A diferença vital entre essa teoria e a arminiana estrita subjaz na segurança absoluta afirmada naquela primeira para a recuperação espiritual dos eleitos. Concordam, entretanto, em atribuir algum tipo de universalidade à expiação e em sustentar que, em uma certa condição, dentro do alcance do cumprimento por todos os homens, - obediência geralmente, de acordo com os arminianos, e fé, de acordo com os teólogos de Saumur – todos os homens têm acesso aos benefícios da morte de Cristo.
Para transmitir consistência à teoria de Amyraud, a fé deve, em algum senso, ser apropriada para todos os homens; e ele sustentou, por conseguinte, a doutrina da graça universal, em cujo aspecto sua teoria difere essencialmente da doutrina da expiação universal, como abraçada por eminentes teólogos calvinistas, que sustentavam a necessidade da operação especial da graça, a fim de exercitar a fé. Os leitores de Owen entenderão, a partir dessa explicação apressada, por que ele lida com peculiar agudeza e reiteração de declaração sobre uma refutação do sistema condicional, ou o sistema da graça universal, de acordo com o nome que adquiriu em discussões posteriores. Este era plausível; tinha muitos eruditos entre seus defensores; tinha obtido circulação nas igrejas estrangeiras; e parecia ter sido abraçada por More, ou Moore, cuja obra sobre “A Universalidade da Livre Graça de Deus”, Owen replica em grande extensão.
Thomas Moore é descrito por Edwards, em seu “Gangraena”, parte II, p. 86, como “um grande sectário, que causou muito dano em Lincolnshire, Norfolk e Cambridgeshire; que era famoso também em Boston, Lynn e até mesmo na Holanda, e era seguido de lugar em lugar por muitos”. Sua obra, em um volume in-quarto, foi publicada em 1643, e no mesmo ano apareceu uma réplica de autoria de Thomas Whitefield, “Ministro do Evangelho em Great Yarmouth”. O Sr. Orme nota que “ele tem cuidado de nos informar em um título de página que ‘Thomas Moore era outrora um tecelão em Wills, próximo de Wisbitch.’” E acrescenta que, em relação à produção de Moore, “sem aprovar o argumento da obra, não hesito em dizer que é honrosa aos talentos do tecelão, e não desonrosa à sua piedade”. O tecelão, deve ser adicionado, foi o autor de algumas outras obras: “Descoberta dos Sedutores que Lisonjeiam pelas Casas”, “Sobre o Batismo”, “Um Discurso sobre o Sangue e Sacrifício Preciosos de Cristo”, etc.
Em 1650, o Sr. Horne, ministro em Lynn, em Norfolk, um homem, segundo Palmer (Nonconf. Mem., iii, pp. 6, 7), “de exemplar e simples piedade” e autor de diversos livros, publicou uma réplica à obra de Owen, intitulada “A Porta Aberta para a Aproximação do Homem a Deus; ou uma vindicação do registro de Deus relativo à extensão da morte de Cristo, em resposta ao tratado sobre o assunto do Sr. John Owen.” Horne tinha uma reputação considerável por sua habilidade com língua orientais e “algumas de suas observações e interpretações da Escritura” que, no julgamento de Orme, “não eram indignas da atenção de Owen”. Este, porém, em sua epístola prefixada à obra “Vindiciae Evangelicae”, expressou sua opinião de que a obra de Horne não merecia uma réplica.
Dois anos após A Morte da Morte ter sido publicada, seu autor teve que defender alguns dos pontos que havia mantido nela contra um adversário mais formidável e celebrado. Richard Baxter, em um apêndice a seu “Aforismos sobre a Justificação”, apresentou algumas discordâncias das opiniões de Owen sobre a redenção. Owen lhe respondeu em um tratado que pode ser encarado como um apêndice a seu “Morte da Morte”. Nas discussões entre eles, muito das sutilezas escolásticas aparece em ambos os lados que é provável que se sinta pouco interesse nesse departamento da questão geral sobre a qual discordavam.
Pode ser necessário declarar precisamente que opinião Owen realmente sustentava com relação à extensão da expiação. Todas as opiniões sobre esse ponto, em termos gerais, podem ser reduzidas a quatro. Há alguns que sustentam que Cristo morreu para que, no fim das contas, assegurasse a salvação de todos os homens. Há outros que mantêm a opinião condenada pelo Sínodo de Dort, que pela morte de Cristo Deus é capacitado a salvar todos ou qualquer um, na condição de que obedeçam. Há um terceiro partido que, à medida em que creem que Cristo morreu com o fim de infalivelmente assegurar a salvação dos eleitos, sustentam que, visto que Cristo, em sua obediência e sofrimentos, fez o que todos os homens estavam na obrigação de fazer, e sofreu o que os homens mereciam sofrer, sua expiação tem um aspecto e referência gerais bem como especiais, em virtude do que a oferta do evangelho pode ser livremente ofertada a eles. Finalmente, há aqueles, entre eles Owen, que advogam uma expiação limitada ou definida, expiação tal que implica uma conexão necessária entre a morte de Cristo e a salvação daqueles por quem morreu, ao passo que o real procedimento da expiação quanto aos perdidos é deixado entre as coisas não reveladas, salvo apenas que sua culpa e punição são aumentadas pela rejeição daquela misericórdia oferecida no evangelho.
Hagenbach, em sua “História das Doutrinas”, vol. 2, p. 255, estranhamente afirma que “com relação à extensão da expiação, todas as denominações, com exceção dos calvinistas, sustentam que a salvação foi oferecida a todos”. Seria difícil especificar qualquer calvinista digno desse nome que sustentasse que a salvação não deveria ser oferecida a todos; e parece ser necessário declarar que Owen pelo menos, o mais calvinista dos calvinistas, não sustentava essa opinião. Ao contrário, entre os calvinistas que aderem à doutrina da expiação limitada, tem sido matéria de debate não se o evangelho deve ser ofertado universalmente, mas em que base - a simples ordem e garantia da Palavra ou a suficiência intrínseca e infinita da expiação - a oferta universal do evangelho procede. Talvez esse ponto nunca esteve formalmente ante a mente de nosso autor, mas ele intima que a “suficiência inata da morte de Cristo é o fundamento de sua oferta indistinta aos eleitos e  réprobos”.
Entre as edições valiosas dessa obra, aquela impressa em Edimburgo, em 1755, sob a superintendência do Rev. Adam Gib, merece menção honrosa. Foi impressa com algum cuidado; considerável atenção é dispensada à numeração; e uma análise valiosa da obra inteira é a ela prefixada. Não nos sentimos na liberdade de adotar a numeração em todos os aspectos, vez que se usa de mais liberdade com o original do que seria consistente com os princípios dessa edição das obras de Owen. Reconhecemos nossas obrigações a ela na preparação da análise, que é em sua maior parte tomada dela.






[1] Incmaro de Reims (Em latimHincmarus Rhemensis; em francêsHincmar); (806 a 882). Foi arcebispo de Reims, amigo, conselheiro e propagandista de Carlos, o Calvo, e uma das mais importantes figuras da história da Igreja durante o período carolíngio.
[2] Godescalco de Orbais (em latimGotteschalcus Orbacensis; em francêsGodescalc; em alemãoGottschalk; (808867) foi um teólogomonge e poeta saxão que é mais conhecido por ter sido um dos primeiros advogados da doutrina da dupla predestinação

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